Era uma tarde de 2019, pandemia não existia. Podíamos nos aglomerar à vontade. Eu, como faço anualmente, estava no Fire Festival da Hotmart. Todos os anos o evento tem uma palestra que é a “Cereja do Bolo”. Esta é sempre a mais concorrida, até porque são nomes realmente famosos, como Anitta e Whindersson Nunes. Às vezes, você pode até achar que, pelo palestrante ser de outra área, você não tira lições de suas falas para o essencial do evento: marketing digital, tecnologia e infoprodutos. Pelo contrário: são lições essenciais, até porque, a primeira coisa que você tem que aprender em qualquer uma dessas áreas é que o centro de tudo são as pessoas, e não se faz nem marketing nem sucesso sem conhecer e ter empatia pelo público, tampouco sem ter uma boa equipe, que, essencialmente, são pessoas.
Desculpe-me a repetição, mas eu realmente quero que, ao acabar este texto, você tenha uma coisa em mente: PESSOAS. Voltando ao que interessa, na última edição, a de 2019 (ano passado, por conta da pandemia o evento foi adiado para 2021), a função de “cereja” ficou a cargo do genial Maurício de Sousa. Ele nos contou como os personagens foram criados, como ele fez para dar “novos ares” às suas histórias (e isso envolve diretamente pessoas, mas tudo em seu tempo), e até desenho a Mônica, ao vivo, dando um recado para a gente.
Mas, o que mais chamou a atenção, foi outra coisa: o “Parque dos Dinossauros”. Sinceramente, não lembro exatamente qual foi a pergunta da plateia, mas imagino que algo sobre os processos e tecnologia. Evidentemente, não vou lembrar as aspas da longa resposta do Mauricio, mas lembro da história:
“…claro que na hora de contratar desenhistas ele faz um teste de aptidão, eles têm que saber desenhar os personagens. Os mais novos fazem isso no computador, bem rapidinho, animam tudo lá e tal. Mas eu tenho um setor lá, que eu não abro mão, que é o que eu chamo de ‘Parque dos Dinossauros’.
O Parque dos Dinossauros é onde ficam os cartunistas mais antigos, que fazem tudo à antiga. Eles fazem tudo na mão, cada animação, tudo. Têm aversão à computador, são os funcionários mais antigos que eu tenho e, para falar a verdade, por mais que eles sejam mais lentos, os resultados ficam perfeitos. São eles que “ensinam” os novatos. Uma vez a gente até comparou os que eram feitos no computador com os que saiam do Parque… Não teve comparação. Até na repetição eles eram melhores. Mas, é claro, eles não dão conta sozinho de toda a demanda”.
Isso me lembrou meu primeiro estágio de planejamento e redação. Eu trabalhava no departamento de comunicação de um sindicato. A chefe era uma RP, mas não era ela quem mandava. Quem mandava mesmo era uma designer que, à época, já tinha mais de 70 anos. Quando conversava com as pessoas dos outros departamentos, sobretudo os chefes, estava claro: ela era o maior ativo daquele escritório. Em sua mesa, não tinha computador. Não gostava de trabalhar com eles, afinal, eles – e toda a sua gama de softwares – eram, segundo ela, limitados e limitantes.
Tudo era feito na mão. Cartolina, papéis de todos os tamanhos, canetas coloridas, lápis e, claro, cabeça, afinal era dali que a ideia saia, e aquela era, definitivamente, sua principal ferramenta de trabalho. Os esquemas ficavam prontos fisicamente e dali ela mostrava para a designer e mandava ela se virar para reproduzir… E ela, com muito esforço, às vezes demandava mais tempo do que a sua chefe gastava para fazer a mão. Mais que isso. Essa designer executora não conseguia entender como a chefe chegava naquilo.
Voltando à palestra, lembram quando eu falei que o Maurício explicou como conseguiu os “novos ares” das histórias da Turma da Mônica? Agora vou contar para vocês o que ele nos disse, novamente, a história, sem ser ipsis litteris:
“Em um determinado momento, estava achando todas as histórias muito iguais, todos os roteiros muito iguais. Então, em meu escritório pensei: como eu quero que histórias diferentes se todas os roteiristas têm referências iguais?
Chamei a equipe e perguntei um a um qual era a cidade natal. Mandei eles irem para lá. Morar lá, escrever de lá e me enviar. Não precisavam mais vir para o estúdio. Eles ficaram apavorados, achando que eu estava os demitindo. E eu expliquei que não. Que eu precisava que eles tivessem vivências diferentes, porque todos eles no estúdio, vendo as mesmas pessoas, conversando sobre as mesmas coisas, as histórias ficariam iguais mesmo. Claro, mantive uma equipe mínima de plantonistas, mas, a maioria, só vai no estúdio uma ou duas vezes por mês”.
TECNOLOGIA NÃO É TUDO
E aqui chegamos ao ponto. Evidentemente, a tecnologia hoje é fundamental para o nosso trabalho. É a única forma de ganhar escala, ou seja, de reproduzi-lo em grandes quantidades, aumentar seu alcance sem nenhuma limitação de tempo ou de espaço. Não vivemos sem ela.
Por outro lado, a facilidade muitas vezes é inimiga da criatividade e da personalidade. Quando você está diante de um programa, ou de vários, você condiciona sua mente a usar os recursos disponíveis ali. O resultado é que as referências são todas muito parecidas e os resultados muito iguais, limitados pelo software.
Em outras palavras, quando falamos em pensar fora da caixa, muitas vezes o software acaba sendo a caixa! Veja, e acho que a pandemia nos ajuda muito a ilustrar isso, uma das principais características do ser humano é a capacidade criar e inovar diante das situações mais difíceis. Ou seja, é mais difícil inovar quando temos soluções prontas.
PESSOAS SÃO TUDO
Não estou certo quem disse (nem a frase exata), mas, se não me falha a memória foi Einstein, que qualquer um pode responder as perguntas, mas poucos sabem formular a pergunta certa. Ou seja, a parte mais difícil de solucionar o problema é escolher o problema certo. A tecnologia soluciona tudo, mas será que ela encontra o problema correto?
Nem sempre. Atrás de cada máquina, de cada rede social, de cada perfil há uma pessoa. Mesmo os robôs são programados por pessoas que deixam suas “assinaturas” neles, ainda que discretamente. Ou seja, a melhor tecnologia do mundo é inócua sem as pessoas certas, sem a equipe certa. E, talvez, a grande diferença do Parque dos Dinossauros para o nosso Parque Virtual, é que lá eles convivem mais e entendem melhor justamente do que é essencial: GENTE.
As redes sociais tem esse nome por um motivo: ela conecta pessoas. A ideia quando alguém segue um artista, por exemplo, não é ver o que ele poderia ver na TV, mas é ver o lado humano, o lado de carne e osso. Por mais que saibamos que há um filtro da imagem que vendemos. Aliás, as marcas com mais sucesso nas redes sociais ou se tornam personagens (literalmente) – quem não conhece a Lu do Magalu, ou se comporta com gente. Você também é uma pessoa e é isso que seu público espera de você. Interação, respostas, conversas, atenção.
Portanto, antes de se ater ao que há de mais novo, o que seu concorrente está fazendo, tente pensar: COMO POSSO SER MAIS HUMANO?